segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

NOVELA RENÃ – CAP. XIV


NOVELA RENÃ –CAP. XIV



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O jantar transcorria alegremente com a presença de importantes artistas locais. O próprio governador do Rio de janeiro estava presente com a família, acompanhado de  alguns secretários de estado, posto que o Dr. Farias– na mais recente eleição -  fora seu maior colaborador em matéria de “doação de campanha”.

Todos comiam e bebiam no restaurante do Navio Soberano II, da Fábrica de Sardinhas, quando o anfitrião pôs-se em pé e pediu a palavra:

- Bem, senhor Governador e distinta família, amigos, meus gerentes, autoridades em geral, demais convidados. O objetivo deste “almoço isento de formalidades” e importantíssimo para a gestão das nossas empresas,  o motivo pelo qual lhes chamei aqui é para comunicar-lhes o meu afastamento imediato da linha de frente da gerência das minhas empresas na América do Norte, no Brasil e na Europa, desde o Porto espanhol de Sanlúcar de Barrameda até a Bahia de Guanabara , no Brasil....  e dizer-lhes que meu assessor especial, o senhor Armando César, será meu substituto de hoje em diante. 

Reinava o silêncio. A voz do anfitrião em chefe encheu o ambiente da luxuosa embarcação:

- César, levante-se para que os presentes possam  conhecer o  novo diretor!

O empregado obedeceu e levantou-se, afastando a cadeira de si, sem contudo empurrá-la e permaneceu em pé, em silêncio.

- Ao nosso novo diretor eu dedico este jantar – continuou o chefe.

Sheila – a moça do incidente no Meridien Hotel, engoliu à seco.

- A contar desta data – continuou o Dr. Farias -  não mais comparecerei aos meus escritórios pessoais. Qualquer assunto que queiram tratar comigo, o interessado deverá reportar-se ao meu secretário pessoal. As atribuições de nomear e demitir, de agora em diante, também, repousarão sobre os ombros dele. Gostaria que vocês colaborassem com ele assim como sempre colaboraram comigo para a saúde do nosso grupo empresarial.

Os presentes permaneceram em silêncio, enquanto Sheila alternava não conseguia parar de olhar para Armando. Mais uma vez, a presença daquele rapaz e as circunstâncias lhe causava incômodo. Que relação teria este evento com aquele acontecido no Meridien? - refletia a moça.

- Uma salva de palmas para o meu novo assessor – exclamou o anfitrião.

À fala do chefe, soou uma saraivada de encontros de mãos. Terminadas as palmas, o novo chefe fez pronunciar algumas simples e poucas palavras:

- Farei o que estiver ao meu alcance para servir-lhes e não decepcionar ninguém. Obrigado a todos, obrigado Dr. Farias  pela confiança. E olhando fixamente para Sheila – acomodada entre seus pais – finalizou:

- Estou muito feliz com a sua presença, senhorita. Ato seguido, sentou-se.

Ninguém sabe por conta de quem, depois da animação do vinho, o pai de Sheila, Dr. Roberto Baldoqui, começou a contar piada. A esta altura, após o prato principal, os convidados já estavam bem servidos da melhor comida e igualmente animados, a custa do vinho. Foi aí que a Profa. Baldoqui, escritora e historiadora,  resolveu abordar o assunto das profecias Maias, do Apocalipse e do fim do Mundo. Pesquisadora e conhecedora do assunto, comentou a respeito da profecia maia que vaticina o fim do Mundo para o período de vinte e um a vinte e quatro de abril de dois mil e dezesseis.

- Esta é a interpretação que encontra maior abrigo pela maioria dos teóricos – concluiu a mulher.

Intencionando quebrar o peso do “clima” da troca de chefias e querendo “entrosar”  o novo chefe com seus subordinados, o Dr. Farias  dirige-se a ao novo gerente geral, que até o momento apenas ouvia atentamente as falas dos presentes:

- E o nosso novo chefe, não tem medo do fim do mundo, sendo ainda jovem?

- Não senhor, ao contrário, o comentário da senhora, o que fez, foi recordar-me de uma piada ocorrida há tempo, em uma vila portuguesa, envolvendo uma senhorita e um cidadão  na boa idade.

- O senhor teria a bondade de nos contar a tal piada? – solicitou uma das damas presentes.

- Claro, com prazer – respondeu educadamente César Armando, já iniciando a história.

- Bem, ocorreu que com a gripe do porco, houve uma vila no interior de Portugal, conforme já falei, onde começou a morrer tudo que era de velhinho. Havia por  lá uma certa enfermeira viúva que cuidava dos doentes. Um dia apareceu no hospital da aldeia um velhinho gripado, desse que se tem de moer batatas para ele engolir.

O homem possuía dinheiro no banco, muitas propriedades, bens e haveres, contudo era sozinho no mundo. Acostumado ao conforto, o velhote requisitou a citada enfermeira que lhe atendesse no domicílio de uma elegante mansão, sob pródiga compensação financeira. No interior da mansão do ancião, ao ver a mobília, os carros, as obras de arte valiosas, a fina prataria... Partindo do pressuposto de que o cristão não tinha por vivo, parente ou aderente, um plano malvado começou a engendrar-se na cabeça da enfermeira...

À noite, em casa, durante o jantar, a profissional de saúde questiona a única filha:

- Filha, você não pensa em fazer seu futuro, já que seu pai não nos deixou herdade para suprir nossas necessidades futuras? Porque – na vida de uma pessoa - o cavalo selado só passa uma vez!

Dado o preâmbulo, a moça correspondeu com singular interesse, querendo inteirar-se do assunto, porque também era igualmente cobiçosa.

- Então, filha, há um velhinho na aldeia, que atendo em domicílio, rico rico e viúvo, sem filhos ou parentes. Está morre e não morre. Por que você não casa com ele para herdar-lhe os haveres? Um velhinho daquele é facílimo de conquistar por uma moça bonita como você. O coitado, acho que já não consegue sequer pensar em sexo. Vai ser um casamento só de paciência,  aparências e lucro para nós duas. A questão é casar e esperar o velhinho morrer com paciência porque – onde estará um velhinho daquele daqui a cinco anos?

A moça assentiu e deslancharam o plano.

No outro dia, durante a visita de rotina domiciliar, a enfermeira mostrou-se demasiado simpática e convidou o paciente para “cenar” em sua casa. O homem ponderou um pouco por causa – segundo o próprio - da dificuldade que tinha de locomover-se, mas depois animou-se e concordou cabalmente.

- Como não, como não minha senhora!

Durante o jantar, a moça da casa começou a dar mostras de cuidados e simpatia para com o velhote.

- Segundo a mãe, a moça era do tipo que dizia que gostava de homem maduro -

Durante o almoço, a senhorita afagava, sorria e servia o prato do convidado. A anfitriã, quando percebeu que o homem estava mais “vidrado” na moça que na “sopinha”, resolveu desembaralhar o plano:

- Minha filha! Você parece que não sei, que está demonstrando muito interesse pelo meu amigo. E “a” e “mais” e “mas o que está acontecendo”?

- Sabe, mãe – respondeu a moça, meio trêmula e com ares de timidez – desde que este simpático cavalheiro entrou na nossa casa, meu coração disparou. Estava aqui parada e uma voz me falou baixinho na minha consciência que este nobre senhor é a minha alma gêmea separada e perdida de mim desde que pecamos e Deus nos expulsou do Éden.

- ato seguido a moça caiu em triste e copioso pranto com lágrimas de crocodilo -

Ante a inusitada ideia, o velho foi se animando, foi se agradando da moça, de modo tal, que foi se inchando tanto que o episódio até lembrava aquela famosa historia espanhola, o caso da  “Fábula da Rana Rupta”.

A mentora do malíssimo plano pecuniário, reconhecendo a firmeza do terreno, prosseguiu com o estratagema:

- E o senhor, que achou da minha joia rara?

- É um tesouro! É cheirosa! Acho que daria uma excelente esposa porque é atenciosa, sensível e bonita por demais!

- Então, por que o senhor não casa com a minha menina para alegrar os seus dias? Eu tenho esta única filha, moça excelente, e tenho medo de morrer e deixá-la desamparada. Ai! A mulher começou a chorar, numa encenação surda, capaz de arrebatar a estátua do “Oscar” das mãos da atriz norte-americana Marlee Matlin.

- Como não, como não! – respondeu afirmativamente o homem.

E deu-se o casamento. Na noite de núpcias, a esposa sofreu amarguras nas mãos, quer dizer n... do ancião. O casal já se amava havia pouco mais de três horas... até que o homem deu por encerrado o ato.

Quando o ancião soltou a jovem, a mulher questionou:

- homem, mas que coisa!

Entendendo que a esposa havia reclamado do fraco desempenho o cidadão respondeu - Desculpe mulher, - mas ocorre que hoje não me sinto bem disposto, porque tive um dia cheio e você também.

A recém-casada tremeu-se toda.

César Armando calou-se fazendo uma pausa para o "drink", já que os presentes riam descontroladamente.

 Muito bem, vamos parar de rir e continuar com a  história - reclamou um cavalheiro

Sim, claro – exclamou Armando continuando a história:

- Bem, ocorre que o matrimônio deu vida nova e energia ao noivo. No outro dia os “pombinhos” viajaram em lua de mel para a cidade de Angra dos Reis, no Brasil.

Sob o sol de Angra, muito animados em um agradável resort, desta vez a relação dos nubentes já ia para mais de quatro horas, quando a esposa alarmada, gritou:

- Socorro, descansa homem, para marido, me matas, me matas...

Ainda um pouco insatisfeito, o homem largou a mulher e foi para a varanda. Transcorrido um pequeno espaço de tempo, a mulher escuta um barulho:

Tum, tum, tum, tum...

Assustada, pensando que eram ladrões, a mulher põe-se de espia e - finalmente - vê o marido batendo com o osso da canela na borda de cimento de um vaso de planta ornamental. A pobrezinha pergunta:

- Mas, homem, para que isto?

É quando, então, o marido responde:

- É para acalmar o feldspato!

- E que diabos é feldspato, marido, oras? – pergunta a esposa angustiada

É o nome do meu... - responde o homem “subindo pelas paredes”.

- Isto eu sei – retrucou a esposa -  queria era saber o que significa a palavra feldspato.

- Feldspato, respondeu, por fim, o homem - é o nome da rocha utilizada na construção das pirâmides do Egito...

Neste instante, os ocupantes da mesa desataram em riso: o óculos de um oficial médico, com oito  graus de miopia, espatifou-se no piso. O comandante da embarcação deu com a mão na beira do próprio prato e ficou coberto de mariscos. A esposa do gerente da Fábrica de sardinha da Região dos Lagos, ficou com o rosto em brasa, porque engasgou-se com a bebida e engoliu uma pedra de gelo.

Passado o riso, Dr. Farias fez uso de um branquíssimo guardanapo de algodão para refazer sua toalete e as mulheres puxaram seus espelhos para retocar a maquiagem. Voltou o silêncio acompanhado do  constrangimento geral.

Depois do silêncio, foi Sheila que se recompôs e tomou a palavra para “quebrar o gelo” e alimentar a conversa:

- Mas, senhor César, após ouvir a sua maravilhosa narrativa, não percebi a relação existente entre a mesma e o assunto que a motivou: o fim do mundo.

- César continuou impassível:

- Bem, senhorita. É que dei uma pausa para os risos... E continuou:

Por aquelas alturas dos acontecimentos inesperados e infindáveis, a coitadinha da mulher já havia compreendido que estava condenada a morrer antes do marido e ficou “maquinando” mil maneiras de se livrar do marido:

- De matá-lo não tinha coragem, porque não matava nem formigas; esperar pela morte dele? Haja vista a vitalidade demonstrada, sabia que ia morrer antes dele. ai meu Deus. Foi justo aí que a mulher lembrou-se do fim do Mundo, o Apocalipse e as profecias maias. Crendo seguramente que o marido só iria morrer quando o mundo acabasse, a pobre ficou fazendo as contas e, por fim, dirigiu-se ao próprio objeto da sua aflição:

- Marido! Você já ouviu falar nas profecias maias, que o mundo vai acabar em dois mil e dezesseis?

O homem, aos costumes, respondeu:

- Como não mulher, como não!

- Marido! – nesta hora a mulher falou tremendo porque lembrou-se de sua querida mãezinha -

- Hum!!!

- Se o Mundo se acabar mesmo em dois mil e dezesseis, de tudo o que há no mundo, o que você acha que poderá resistir ao fogo do Apocalipse?

- O homem pensou um pouco e, então, com um ar de solenidade, respondeu firmemente:

- Mulher, se o mundo se acabar com fogo em dois mil e dezesseis, o fogo acabará com todas as coisas da terra. Quando o fogo do apocalipse se apagar, a única coisa que poderá resistir será o feldspato.

Novamente, os ocupantes da mesa desataram em riso convulsivo. Uma senhora distinta, que até agora tinha se mostrado uma espécie exemplar em matéria de comportamento, se engasgou com um marisco, vertendo na sala o conteúdo da boca; um alto funcionário do Consulado Geral da Espanha no Rio de Janeiro, afastou abruptamente a cadeira da mesa de refeições, enquanto assumia a posição fetal, abraçando o ventre entre cólicas de riso; um renomado jurisconsulto carioca, homem de excepcional autoridade conceitual em matéria de Direito Criminal,- na tentativa de recobrar as maneiras,- empurrou a esposa, rasgando-lhe o  vestido longo de um ombro só, de chifon  e seda,  bordado com pedrarias e fios de ouro Marlene Blangê:

- Perdão, querida! Perdão!

- Já chega, homem! Nos mata! Nos mata! – exclamou o anfitrião – vamos chamar os serviçais e depois a orquestra. Quero que todos dancem, quero que todos saiam daqui contentes.

Às palavras do chefe, César Armando permanecia sentado e imperturbável.

- Dr. Farias olhava o empregado cheio de admiração e orgulho, crendo que o mesmo havia deixado uma boa impressão de pessoa culta, trabalhadora e progressista, frente aos presentes.

- Ele é assim mesmo, imperturbável como uma montanha, falava em tom de orgulho, como se falasse de um filho.

Rapidamente os empregados da sala retiraram a grande mesa, limparam tudo... foram dispostas, então, outras mesas menores, na proporção do número de convidados. Ato seguido, preparada e acomodada a orquestra,

Soou a música.


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