Por
Renã Leite Pontes, IWA
Amazônia
Brasileira - Rio Branco - Acre - Brazil
Academia
Acreana de Letras - AAL
http://comexcelenciaemeducacao.blogspot.com.br/
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Nascida
da aglomeração espontânea das sete notas musicais, recém-chegada da Via Láctea, a Música se desdobrou para
alegrar o mundo, cantando e encantando por quatro sofridas eras glaciais. À moda
antiga e a custa de muita perseverança e dedicação, a afinada conseguiu
realizar, mais tarde no tempo, seu maior sonho - compor para herdade sua “magum
opus” (A Ópera da Nona Esfera). Sem direito a “pódio de chegada ou beijo de
namorada”, a especialista fez tão grandes esforços para realização da grande
obra, que exausta, adoeceu gravemente. Mesmo doente, ainda guardava com zelo o
único bem que tomou para si ao longo de tantos séculos de dedicação ao trabalho
e pretéritas oportunidades perdidas de enriquecimento lícito: a nota grave de
um doce assobio que um menino magrinho lançara alegremente ao vento. Justo ela,
que já havia cantado em tantos palácios reais e faustosos banquetes de
senhoriais mansões. Justo ela, que um dia recebera convite de casamento -
havendo declinado - do próprio bem ataviado Progresso Cultural, em pessoa.
Naqueles dias aziagos de
doença grave, o mundo entristeceu, o ar tornou-se rarefeito e o vento parou seu
movimento porque a mais querida de Alexandre
III da Macedônia havia chegado ao clímax do seu desafino, então a
harmoniosa foi amparada às pressas pela nota Sol e por sua mais dedicada filha,
a nota Dó. Houve ânsia de salvação e esperança de cura... Chegada a “hora sexta” da preferida de Ludwig Van Beethoven, alguns mamíferos
caudados estavam de plantão médico e cobraram o justo e o injusto para preconizarem
exercícios respiratórios e prescreverem determinadas ervinhas do mato
curativas, que de nada adiantaram, até endividarem, além da música, a nota Sol
e ainda a nota Dó, também. Apesar de toda a disposição ao tratamento, a cultuada
por Francisco I, o Rei Salamandra, apenas
sofria e piorava, à medida que o mal ganhava terreno. Chamada a família à responsabilidade, a nota
ré preferiu sair de ré; a nota mi fez o “(mí)nimo” possível; a nota lá foi-se
para lá longe; a nota si só pensou em si e alegando falta de tempo disponível,
ocupou-se apenas de seus eólicos problemas (como se as outras notas componentes
estivessem a esbanjar tempo); já a nota fá, além de não “(fa)zer” nada em
benefício da música, ainda compôs uma marchinha carnavalesca questionando a
real perícia musical da paciente.
A música lutou muito para
sobreviver, mas morreu asfixiada ao tentar entoar - para sustentar a alegria do
mundo - uma nota dó maior, deixando órfãs e soltas ao vento as sete notas
musicais. Por uns dias, com a morte da “inspiradora
de Mozart”, o tempo se entristeceu e
a beleza mudou-se para o Porto de Istambul, então, tudo ficou parado até a
“hora nona”. Foi então até que a Deusa do Amor desceu de Vênus para advertir ao
tempo: Ora, veja bem, o tempo não para!
- Então eu continuo, mas
que fique claro que vou ficar mais raro a cada dia, vocês vão ver! - respondeu
baixinho, pausada e ameaçadoramente o tempo entristecido.
Depois disto, o silencioso
continuou seu queixume pendular, embora raro, ele nunca mais parou.
Sequer havia passado o
período de luto da Dama de sinfonia, a nota si foi até a Suprema Corte,
alegando mil necessidades, para reclamar judicialmente, e em benefício próprio,
sua parte na herança do único legado deixado pela finada - a nota grave do doce
assobio que o menino magrinho lançara alegremente ao vento. A investida da nota
si foi tão descabida e covarde, que a Deusa Têmis, cheia de vergonha, com a
permissão de Urano, entregou sem qualquer questionamento ou julgamento de
mérito, todo o espólio que a anêmica reclamava posse. Depois que a usurpadora
retirou-se do Foro, fortuitamente, a Deusa Justa teceu o seguinte comentário
com uma escrivã:
- Cá entre nós, quando eu
quero que uma pessoa se enforque, dou bastante corda para ela!
Em seguida, o caso foi passado
para a Deusa da Vergonha. Esta, após ler os autos do processo akásico, abençoou
a nota Dó e deu-a por herança bendita a todos os bons corações humanizados e,
após bendizer a “mão piedosa”, fê-la subir em uma bolha de sabão para bem
distante, transformando-a em um disco incandescente a iluminar a terra. Depois
disto, a vergonha foi-se embora para uma montanha íngreme e erma. E, como consequência
natural do isolamento voluntário da decorosa, desde aqueles dias, a vergonha
fez-se ausente das grandes concentrações humanas.
A partir daí, as
composições corridas passaram a ser compostas por pessoas e não mais pela
aglomeração espontânea das notas musicais. E, como era noite, fazia frio, e a
ausência do sol tornava tudo triste, um menino franzino - na busca pela esperança
- rabiscou os primeiros versos de uma composição (que depois ganhou muitas vozes),
em homenagem ao sacrifício imenso da Música que morreu lutando para alegrar o
mundo:
Ah! Tristeza sem alegrias,
Vai falar pra ela
Aquilo que ontem à noite
Tu, chorando, me dizias.
Vai! Fala pra ela
Que de fato, um simples
ato
De abandono
pode ser o fim de tudo,
Pode ser a gota d’água.
Ferdinanda?
AM
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