NOVELA RENÃ –CAP. XIV
XXXXXXX
O
jantar transcorria alegremente com a presença de importantes artistas locais. O
próprio governador do Rio de janeiro estava presente com a família, acompanhado
de alguns secretários de estado, posto
que o Dr. Farias– na mais recente eleição -
fora seu maior colaborador em matéria de “doação de campanha”.
Todos
comiam e bebiam no restaurante do Navio Soberano II, da Fábrica de Sardinhas,
quando o anfitrião pôs-se em pé e pediu a palavra:
-
Bem, senhor Governador e distinta família, amigos, meus gerentes, autoridades
em geral, demais convidados. O objetivo deste “almoço isento de formalidades” e
importantíssimo para a gestão das nossas empresas, o motivo pelo qual lhes chamei aqui é para
comunicar-lhes o meu afastamento imediato da linha de frente da gerência das
minhas empresas na América do Norte, no Brasil e na Europa, desde o Porto
espanhol de Sanlúcar de Barrameda até a Bahia de Guanabara , no Brasil.... e dizer-lhes que meu assessor especial, o
senhor Armando César, será meu substituto de hoje em diante.
Reinava
o silêncio. A voz do anfitrião em chefe encheu o ambiente da luxuosa embarcação:
-
César, levante-se para que os presentes possam conhecer o novo diretor!
O
empregado obedeceu e levantou-se, afastando a cadeira de si, sem contudo
empurrá-la e permaneceu em pé, em silêncio.
-
Ao nosso novo diretor eu dedico este jantar – continuou o chefe.
Sheila
– a moça do incidente no Meridien Hotel, engoliu à seco.
-
A contar desta data – continuou o Dr. Farias -
não mais comparecerei aos meus escritórios pessoais. Qualquer assunto
que queiram tratar comigo, o interessado deverá reportar-se ao meu secretário
pessoal. As atribuições de nomear e demitir, de agora em diante, também,
repousarão sobre os ombros dele. Gostaria que vocês colaborassem com ele assim
como sempre colaboraram comigo para a saúde do nosso grupo empresarial.
Os
presentes permaneceram em silêncio, enquanto Sheila alternava não conseguia
parar de olhar para Armando. Mais uma vez, a presença daquele rapaz e as
circunstâncias lhe causava incômodo. Que relação teria este evento com aquele acontecido
no Meridien? - refletia a moça.
-
Uma salva de palmas para o meu novo assessor – exclamou o anfitrião.
À
fala do chefe, soou uma saraivada de encontros de mãos. Terminadas as palmas, o
novo chefe fez pronunciar algumas simples e poucas palavras:
-
Farei o que estiver ao meu alcance para servir-lhes e não decepcionar ninguém.
Obrigado a todos, obrigado Dr. Farias pela
confiança. E olhando fixamente para Sheila – acomodada entre seus pais –
finalizou:
-
Estou muito feliz com a sua presença, senhorita. Ato seguido, sentou-se.
Ninguém
sabe por conta de quem, depois da animação do vinho, o pai de Sheila, Dr.
Roberto Baldoqui, começou a contar piada. A esta altura, após o prato
principal, os convidados já estavam bem servidos da melhor comida e igualmente
animados, a custa do vinho. Foi aí que a Profa. Baldoqui, escritora e
historiadora, resolveu abordar o assunto
das profecias Maias, do Apocalipse e do fim do Mundo. Pesquisadora e
conhecedora do assunto, comentou a respeito da profecia maia que vaticina o fim
do Mundo para o período de vinte e um a vinte e quatro de abril de dois mil e
dezesseis.
-
Esta é a interpretação que encontra maior abrigo pela maioria dos teóricos –
concluiu a mulher.
Intencionando
quebrar o peso do “clima” da troca de chefias e querendo “entrosar” o novo chefe com seus subordinados, o Dr.
Farias dirige-se a ao novo gerente
geral, que até o momento apenas ouvia atentamente as falas dos presentes:
-
E o nosso novo chefe, não tem medo do fim do mundo, sendo ainda jovem?
-
Não senhor, ao contrário, o comentário da senhora, o que fez, foi recordar-me
de uma piada ocorrida há tempo, em uma vila portuguesa, envolvendo uma
senhorita e um cidadão na boa idade.
-
O senhor teria a bondade de nos contar a tal piada? – solicitou uma das damas
presentes.
-
Claro, com prazer – respondeu educadamente César Armando, já iniciando a
história.
-
Bem, ocorreu que com a gripe do porco, houve uma vila no interior de Portugal,
conforme já falei, onde começou a morrer tudo que era de velhinho. Havia por lá uma certa enfermeira viúva que cuidava dos
doentes. Um dia apareceu no hospital da aldeia um velhinho gripado, desse que
se tem de moer batatas para ele engolir.
O
homem possuía dinheiro no banco, muitas propriedades, bens e haveres, contudo
era sozinho no mundo. Acostumado ao conforto, o velhote requisitou a citada
enfermeira que lhe atendesse no domicílio de uma elegante mansão, sob pródiga
compensação financeira. No interior da mansão do ancião, ao ver a mobília, os
carros, as obras de arte valiosas, a fina prataria... Partindo do pressuposto
de que o cristão não tinha por vivo, parente ou aderente, um plano malvado
começou a engendrar-se na cabeça da enfermeira...
À
noite, em casa, durante o jantar, a profissional de saúde questiona a única
filha:
-
Filha, você não pensa em fazer seu futuro, já que seu pai não nos deixou
herdade para suprir nossas necessidades futuras? Porque – na vida de uma pessoa
- o cavalo selado só passa uma vez!
Dado
o preâmbulo, a moça correspondeu com singular interesse, querendo inteirar-se
do assunto, porque também era igualmente cobiçosa.
-
Então, filha, há um velhinho na aldeia, que atendo em domicílio, rico rico e
viúvo, sem filhos ou parentes. Está morre e não morre. Por que você não casa
com ele para herdar-lhe os haveres? Um velhinho daquele é facílimo de
conquistar por uma moça bonita como você. O coitado, acho que já não consegue
sequer pensar em sexo. Vai ser um casamento só de paciência, aparências e lucro para nós duas. A questão é
casar e esperar o velhinho morrer com paciência porque – onde estará um
velhinho daquele daqui a cinco anos?
A
moça assentiu e deslancharam o plano.
No
outro dia, durante a visita de rotina domiciliar, a enfermeira mostrou-se
demasiado simpática e convidou o paciente para “cenar” em sua casa. O homem
ponderou um pouco por causa – segundo o próprio - da dificuldade que tinha de
locomover-se, mas depois animou-se e concordou cabalmente.
-
Como não, como não minha senhora!
Durante
o jantar, a moça da casa começou a dar mostras de cuidados e simpatia para com
o velhote.
-
Segundo a mãe, a moça era do tipo que dizia que gostava de homem maduro -
Durante
o almoço, a senhorita afagava, sorria e servia o prato do convidado. A
anfitriã, quando percebeu que o homem estava mais “vidrado” na moça que na
“sopinha”, resolveu desembaralhar o plano:
-
Minha filha! Você parece que não sei, que está demonstrando muito interesse
pelo meu amigo. E “a” e “mais” e “mas o que está acontecendo”?
-
Sabe, mãe – respondeu a moça, meio trêmula e com ares de timidez – desde que
este simpático cavalheiro entrou na nossa casa, meu coração disparou. Estava
aqui parada e uma voz me falou baixinho na minha consciência que este nobre
senhor é a minha alma gêmea separada e perdida de mim desde que pecamos e Deus
nos expulsou do Éden.
-
ato seguido a moça caiu em triste e copioso pranto com lágrimas de crocodilo -
Ante
a inusitada ideia, o velho foi se animando, foi se agradando da moça, de modo
tal, que foi se inchando tanto que o episódio até lembrava aquela famosa historia
espanhola, o caso da “Fábula da Rana
Rupta”.
A
mentora do malíssimo plano pecuniário, reconhecendo a firmeza do terreno,
prosseguiu com o estratagema:
-
E o senhor, que achou da minha joia rara?
-
É um tesouro! É cheirosa! Acho que daria uma excelente esposa porque é
atenciosa, sensível e bonita por demais!
-
Então, por que o senhor não casa com a minha menina para alegrar os seus dias?
Eu tenho esta única filha, moça excelente, e tenho medo de morrer e deixá-la
desamparada. Ai! A mulher começou a chorar, numa encenação surda, capaz de
arrebatar a estátua do “Oscar” das mãos da atriz norte-americana Marlee Matlin.
-
Como não, como não! – respondeu afirmativamente o homem.
E
deu-se o casamento. Na noite de núpcias, a esposa sofreu amarguras nas mãos,
quer dizer n... do ancião. O casal já se amava havia pouco mais de três
horas... até que o homem deu por encerrado o ato.
Quando
o ancião soltou a jovem, a mulher questionou:
-
homem, mas que coisa!
Entendendo
que a esposa havia reclamado do fraco desempenho o cidadão respondeu - Desculpe
mulher, - mas ocorre que hoje não me sinto bem disposto, porque tive um dia
cheio e você também.
A
recém-casada tremeu-se toda.
César
Armando calou-se fazendo uma pausa para o "drink", já que os
presentes riam descontroladamente.
Muito
bem, vamos parar de rir e continuar com a história - reclamou um cavalheiro
Sim,
claro – exclamou Armando continuando a história:
-
Bem, ocorre que o matrimônio deu vida nova e energia ao noivo. No outro dia os
“pombinhos” viajaram em lua de mel para a cidade de Angra dos Reis, no Brasil.
Sob
o sol de Angra, muito animados em um agradável resort, desta vez a relação dos
nubentes já ia para mais de quatro horas, quando a esposa alarmada, gritou:
-
Socorro, descansa homem, para marido, me matas, me matas...
Ainda
um pouco insatisfeito, o homem largou a mulher e foi para a varanda. Transcorrido
um pequeno espaço de tempo, a mulher escuta um barulho:
Tum,
tum, tum, tum...
Assustada,
pensando que eram ladrões, a mulher põe-se de espia e - finalmente - vê o
marido batendo com o osso da canela na borda de cimento de um vaso de planta
ornamental. A pobrezinha pergunta:
-
Mas, homem, para que isto?
É
quando, então, o marido responde:
-
É para acalmar o feldspato!
-
E que diabos é feldspato, marido, oras? – pergunta a esposa angustiada
É
o nome do meu... - responde o homem “subindo pelas paredes”.
-
Isto eu sei – retrucou a esposa - queria
era saber o que significa a palavra feldspato.
-
Feldspato, respondeu, por fim, o homem - é o nome da rocha utilizada na
construção das pirâmides do Egito...
Neste
instante, os ocupantes da mesa desataram em riso: o óculos de um oficial
médico, com oito graus de miopia, espatifou-se
no piso. O comandante da embarcação deu com a mão na beira do próprio prato e
ficou coberto de mariscos. A esposa do gerente da Fábrica de sardinha da Região
dos Lagos, ficou com o rosto em brasa, porque engasgou-se com a bebida e engoliu
uma pedra de gelo.
Passado
o riso, Dr. Farias fez uso de um branquíssimo guardanapo de algodão para
refazer sua toalete e as mulheres puxaram seus espelhos para retocar a
maquiagem. Voltou o silêncio acompanhado do constrangimento geral.
Depois
do silêncio, foi Sheila que se recompôs e tomou a palavra para “quebrar o gelo”
e alimentar a conversa:
-
Mas, senhor César, após ouvir a sua maravilhosa narrativa, não percebi a
relação existente entre a mesma e o assunto que a motivou: o fim do mundo.
-
César continuou impassível:
-
Bem, senhorita. É que dei uma pausa para os risos... E continuou:
Por
aquelas alturas dos acontecimentos inesperados e infindáveis, a coitadinha da
mulher já havia compreendido que estava condenada a morrer antes do marido e
ficou “maquinando” mil maneiras de se livrar do marido:
-
De matá-lo não tinha coragem, porque não matava nem formigas; esperar pela
morte dele? Haja vista a vitalidade demonstrada, sabia que ia morrer antes dele.
ai meu Deus. Foi justo aí que a mulher lembrou-se do fim do Mundo, o Apocalipse
e as profecias maias. Crendo seguramente que o marido só iria morrer quando o mundo
acabasse, a pobre ficou fazendo as contas e, por fim, dirigiu-se ao próprio
objeto da sua aflição:
-
Marido! Você já ouviu falar nas profecias maias, que o mundo vai acabar em dois
mil e dezesseis?
O
homem, aos costumes, respondeu:
-
Como não mulher, como não!
-
Marido! – nesta hora a mulher falou tremendo porque lembrou-se de sua querida
mãezinha -
-
Hum!!!
-
Se o Mundo se acabar mesmo em dois mil e dezesseis, de tudo o que há no mundo,
o que você acha que poderá resistir ao fogo do Apocalipse?
-
O homem pensou um pouco e, então, com um ar de solenidade, respondeu
firmemente:
-
Mulher, se o mundo se acabar com fogo em dois mil e dezesseis, o fogo acabará
com todas as coisas da terra. Quando o fogo do apocalipse se apagar, a única
coisa que poderá resistir será o feldspato.
Novamente,
os ocupantes da mesa desataram em riso convulsivo. Uma senhora distinta, que até
agora tinha se mostrado uma espécie exemplar em matéria de comportamento, se engasgou
com um marisco, vertendo na sala o conteúdo da boca; um alto funcionário do
Consulado Geral da Espanha no Rio de Janeiro, afastou abruptamente a cadeira da
mesa de refeições, enquanto assumia a posição fetal, abraçando o ventre entre
cólicas de riso; um renomado jurisconsulto carioca, homem de excepcional
autoridade conceitual em matéria de Direito Criminal,- na tentativa de recobrar
as maneiras,- empurrou a esposa, rasgando-lhe o vestido
longo de um ombro só, de chifon e
seda, bordado com pedrarias e fios de
ouro Marlene Blangê:
-
Perdão, querida! Perdão!
-
Já chega, homem! Nos mata! Nos mata! – exclamou o anfitrião – vamos
chamar os serviçais e depois a orquestra. Quero que todos dancem, quero que
todos saiam daqui contentes.
Às
palavras do chefe, César Armando permanecia sentado e imperturbável.
-
Dr. Farias olhava o empregado cheio de admiração e orgulho, crendo que o mesmo
havia deixado uma boa impressão de pessoa culta, trabalhadora e progressista,
frente aos presentes.
-
Ele é assim mesmo, imperturbável como uma montanha, falava em tom de orgulho,
como se falasse de um filho.
Rapidamente
os empregados da sala retiraram a grande mesa, limparam tudo... foram dispostas,
então, outras mesas menores, na proporção do número de convidados. Ato seguido,
preparada e acomodada a orquestra,
Soou
a música.
XXXXXXXX
Texto bem elaborado e contextualizado. Uma obra primorosa que certamente irá agradar e enriquecer nossa literatura. Parabéns, confrade Renã Leite Pontes.
ResponderExcluirTexto bem elaborado e contextualizado. Uma obra primorosa que certamente irá agradar e enriquecer nossa literatura. Parabéns, confrade Renã Leite Pontes.
ResponderExcluir