sábado, 10 de janeiro de 2015

AMAR VOCÊ...

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Por Renã Leite Pontes

É desabar rendido ao teu abraço
Com frisson louco, em grave e agudo tom;
Encontrar céu e terra em teu regaço
Sem querer despertar de um sonho bom.

Gastar-me de te amar perdida a hora
Conter a mão tremente a tua falta
Não fazer planos, me perder no agora,
Esperar-te com ânsia à noite alta.

Amar-te em pelo é crer na eternidade
Por um segundo - de felicidade!
Inundar-te de amor porque é preciso

Ser água... e ao me ebulir de amor por dentro,
Ar que respiro, em teu amasso encontro,
O caminho mais curto ao paraíso.

A MORTE DA MÚSICA: APÓLOGO



Por Renã Leite Pontes, IWA
Amazônia Brasileira - Rio Branco - Acre - Brazil
Academia Acreana de Letras - AAL
http://comexcelenciaemeducacao.blogspot.com.br/
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Nascida da aglomeração espontânea das sete notas musicais, recém-chegada da Via Láctea, a Música se desdobrou para alegrar o mundo, cantando e encantando por quatro sofridas eras glaciais. À moda antiga e a custa de muita perseverança e dedicação, a afinada conseguiu realizar, mais tarde no tempo, seu maior sonho - compor para herdade sua “magum opus” (A Ópera da Nona Esfera). Sem direito a “pódio de chegada ou beijo de namorada”, a especialista fez tão grandes esforços para realização da grande obra, que exausta, adoeceu gravemente. Mesmo doente, ainda guardava com zelo o único bem que tomou para si ao longo de tantos séculos de dedicação ao trabalho e pretéritas oportunidades perdidas de enriquecimento lícito: a nota grave de um doce assobio que um menino magrinho lançara alegremente ao vento. Justo ela, que já havia cantado em tantos palácios reais e faustosos banquetes de senhoriais mansões. Justo ela, que um dia recebera convite de casamento - havendo declinado - do próprio bem ataviado Progresso Cultural, em pessoa.
Naqueles dias aziagos de doença grave, o mundo entristeceu, o ar tornou-se rarefeito e o vento parou seu movimento porque a mais querida de Alexandre III da Macedônia havia chegado ao clímax do seu desafino, então a harmoniosa foi amparada às pressas pela nota Sol e por sua mais dedicada filha, a nota Dó. Houve ânsia de salvação e esperança de cura...  Chegada a “hora sexta” da preferida de Ludwig Van Beethoven, alguns mamíferos caudados estavam de plantão médico e cobraram o justo e o injusto para preconizarem exercícios respiratórios e prescreverem determinadas ervinhas do mato curativas, que de nada adiantaram, até endividarem, além da música, a nota Sol e ainda a nota Dó, também. Apesar de toda a disposição ao tratamento, a cultuada por Francisco I, o Rei Salamandra, apenas sofria e piorava, à medida que o mal ganhava terreno.  Chamada a família à responsabilidade, a nota ré preferiu sair de ré; a nota mi fez o “(mí)nimo” possível; a nota lá foi-se para lá longe; a nota si só pensou em si e alegando falta de tempo disponível, ocupou-se apenas de seus eólicos problemas (como se as outras notas componentes estivessem a esbanjar tempo); já a nota fá, além de não “(fa)zer” nada em benefício da música, ainda compôs uma marchinha carnavalesca questionando a real perícia musical da paciente.
A música lutou muito para sobreviver, mas morreu asfixiada ao tentar entoar - para sustentar a alegria do mundo - uma nota dó maior, deixando órfãs e soltas ao vento as sete notas musicais. Por uns dias, com a morte da “inspiradora de Mozart”, o tempo  se entristeceu e a beleza mudou-se para o Porto de Istambul, então, tudo ficou parado até a “hora nona”. Foi então até que a Deusa do Amor desceu de Vênus para advertir ao tempo: Ora, veja bem, o tempo não para!
- Então eu continuo, mas que fique claro que vou ficar mais raro a cada dia, vocês vão ver! - respondeu baixinho, pausada e ameaçadoramente o tempo entristecido.
Depois disto, o silencioso continuou seu queixume pendular, embora raro, ele nunca mais parou.
Sequer havia passado o período de luto da Dama de sinfonia, a nota si foi até a Suprema Corte, alegando mil necessidades, para reclamar judicialmente, e em benefício próprio, sua parte na herança do único legado deixado pela finada - a nota grave do doce assobio que o menino magrinho lançara alegremente ao vento. A investida da nota si foi tão descabida e covarde, que a Deusa Têmis, cheia de vergonha, com a permissão de Urano, entregou sem qualquer questionamento ou julgamento de mérito, todo o espólio que a anêmica reclamava posse. Depois que a usurpadora retirou-se do Foro, fortuitamente, a Deusa Justa teceu o seguinte comentário com uma escrivã:
- Cá entre nós, quando eu quero que uma pessoa se enforque, dou bastante corda para ela!  
Em seguida, o caso foi passado para a Deusa da Vergonha. Esta, após ler os autos do processo akásico, abençoou a nota Dó e deu-a por herança bendita a todos os bons corações humanizados e, após bendizer a “mão piedosa”, fê-la subir em uma bolha de sabão para bem distante, transformando-a em um disco incandescente a iluminar a terra. Depois disto, a vergonha foi-se embora para uma montanha íngreme e erma. E, como consequência natural do isolamento voluntário da decorosa, desde aqueles dias, a vergonha fez-se ausente das grandes concentrações humanas.
A partir daí, as composições corridas passaram a ser compostas por pessoas e não mais pela aglomeração espontânea das notas musicais. E, como era noite, fazia frio, e a ausência do sol tornava tudo triste, um menino franzino - na busca pela esperança - rabiscou os primeiros versos de uma composição (que depois ganhou muitas vozes), em homenagem ao sacrifício imenso da Música que morreu lutando para alegrar o mundo:

Ah! Tristeza sem alegrias,
Vai falar pra ela
Aquilo que ontem à noite
Tu, chorando, me dizias.
Vai! Fala pra ela
Que de fato, um simples ato
De abandono
pode ser o fim de tudo,
Pode ser a gota d’água.
Ferdinanda?






AM